
protagonista para a promoção da saúde
Da atenção básica à complexidade hospitalar, os objetivos do(a) Nutricionista que atua no Sistema Único de Saúde (SUS) são inúmeros: a promoção da saúde e de uma alimentação adequada e saudável, além da prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). E eles não param por aí… O incentivo ao aleitamento materno, a divulgação das recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, a inserção do tema da educação e saúde no Programa Saúde nas Escolas (PSE) e a realização de atividades de educação alimentar e nutricional também integram as atribuições dos(as) profissionais da Nutrição que atuam na saúde pública.
A presença do(a) Nutricionista chama atenção dentro dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), pois cerca de 90% dessas unidades têm ao menos um profissional de Nutrição. Segundo o Ministério da Saúde, em 2011, eram 1.283 Nutricionistas atuando em 1.564 NASF-AB. Cinco anos depois, esse número mais que dobrou, chegando a 3.824 profissionais.

É muito importante destacar a relevância do trabalho multidisciplinar desenvolvido no SUS. Inicialmente, o paciente é atendido por um médico ou enfermeiro da equipe de Saúde da Família, que, em conjunto com os outros profissionais, decide qual será a melhor maneira de seguir com o tratamento ou quais atividades serão desenvolvidas de forma simultânea, integrando Nutrição, fisioterapia, psicologia e outras áreas.
Para entender melhor a complexidade do trabalho do(a) Nutricionista na saúde pública, a equipe da Revista do CRN-9 conversou com duas profissionais que atuam no SUS em Minas Gerais. Vamos saber um pouco da trajetória de cada uma, quais são os desafios que enfrentam e como trabalhar na rede pública tem influenciado as visões delas sobre a Nutrição.
Semeando ideias:
muito além do Centro de Saúde
Nos NASF-AB, o(a) Nutricionista trabalha tanto com atendimentos individuais, incluindo visitas domiciliares, quanto em atividades coletivas, nos atendimentos em grupos. Trabalho em equipe faz parte do dia a dia da vida da Nutricionista Carolina Miranda (CRN-9 7052). Servidora pública há oito anos, a profissional hoje é responsável pela Nutrição em dois centros de Saúde da Regional Barreiro, em Belo Horizonte.
Para desenvolver um trabalho efetivo e que integrasse a população, Carolina foi em busca do apoio da comunidade local. Um dos principais parceiros nesta empreitada tem sido a Associação Comunitária dos Moradores do Bairro Milionários e Adjacências (Ascombama), aliada ao Conselho Local de Saúde, instância ligada ao Centro de Saúde e que se reúne com a prerrogativa de integrar os serviços de saúde pública aos moradores da região. Por meio desta estratégia, a Nutricionista viu uma oportunidade de ampliar o acesso da comunidade e dos próprios pacientes a alimentos agroecológicos e orgânicos, plantados de forma colaborativa e sustentável. “O plantio realmente não é a minha especialidade, mas eu posso incentivar pessoas falando sobre Nutrição e a saúde humana, além da importância dos alimentos naturais produzidos localmente. Fizemos algumas ações de mobilização com a comunidade e esse caminho foi e tem sido vital para seguirmos no projeto”, relata Carolina.

A iniciativa foi se fortalecendo e, além da área na qual a Associação realizava a cultura de algumas plantas medicinais, foi cedido um espaço em uma escola estadual no bairro Barreiro e, desta forma, foi criada a horta comunitária. Já se passaram mais de dois anos do projeto, que de quatro colaboradores(as) ampliou o número para doze e recebeu apoio técnico e de insumos da Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (Susan) de Belo Horizonte e também da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais (Emater).
Nos canteiros, diversos tipos de alimentos e hortaliças são produzidos, como cenoura, tomate, couve, entre tantos outros, sem o uso de agrotóxicos. A compostagem também é realizada no local, como alternativa sustentável para lidar com o lixo. Mesmo quem não tem experiência em plantio ou cuidado de hortas, é bem-vindo a participar e serve até como atividade terapêutica, sendo totalmente integrada com as ações do Núcleo Ampliado.

A horta comunitária se integra a outra iniciativa importante da Ascombama: o projeto “Troca Solidária”. Nele, a proposta é incentivar a cooperação e as práticas sustentáveis a nível ambiental, social, cultural e econômico. A dinâmica é simples: a horta fornece alimentos para a Cozinha Comunitária, principalmente folhosas, onde os membros da comunidade fazem e distribuem refeições entre os colaboradores, e para a Feira Agroecológica da Região (que ainda não foi inaugurada por causa da pandemia), mas que já tem todos os seus processos prontos para funcionamento.
O membro do conselho gestor da Ascombama, José Márcio Rezende, mostra entusiasmo ao ver o crescimento dessas iniciativas. Ele considera muito importante o impacto da Nutrição, uma área que nem todos sabem que tem acesso por meio dos NASF-AB: “Quando a Carolina começou a falar sobre as iniciativas que ela tinha em mente, nós pensamos que ali estava uma semente que valia a pena ser cultivada. Nos empenhamos e vamos completar três anos juntos. Vimos o resultado direto desse trabalho, quando duas das nossas colaboradoras da horta tiveram uma melhora expressiva do quadro de diabetes, assim como um impacto positivo em toda a comunidade.”
José Márcio e Carolina enfatizam que o projeto da horta deu certo, devido ao trabalho de vários profissionais da área da saúde, ao envolvimento dos parceiros e ao engajamento da comunidade. O representante da Ascombama reconhece a relevância do trabalho da Nutricionista para a promoção da saúde e a necessidade de uma sociedade mais saudável, que esteja focada não apenas na prática de atividade física, mas também em uma alimentação adequada.
Reabilitação e combate à pandemia
Há quase 17 anos, Gicele Chagas (CRN-9 2508) trabalha no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sendo 11 anos como Nutricionista responsável pelo “Centro de Terapia Intensiva Adulto e Unidade Coronariana”.

No HC são atendidos, em média, cerca de 350 pacientes por mês. No hospital, a classificação de nível de assistência nutricional é utilizada conforme diretrizes da Associação Brasileira de Nutricionistas (Asbran), já que, em muitos momentos, a equipe não tem a estrutura necessária de pessoal para atender toda a demanda ambulatorial.
Gicele conta que esse é um dos principais desafios encontrados no dia a dia, uma vez que a instituição tem que otimizar ao máximo seus recursos humanos para atender com excelência e qualidade o maior número possível de pessoas. Além disso, a pandemia trouxe outro obstáculo, que são as atividades remotas: “Por causa da Covid-19, o hospital optou por limitar a presença de profissionais de saúde da linha de frente. Isso ocorre no CTI, onde trabalho, e em outros setores. Mas acredito que todos conseguem ir mais além, com muito esforço e dedicação, e é isso que tento praticar isso todos os dias no meu trabalho e com minha equipe.”
Aprendizado e inspiração para seguir em frente

A conexão do(a) Nutricionista com a rede pública de saúde sempre esteve em evidência e tem crescido nos últimos anos. Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), mais de 20 mil profissionais atuam nas mais diversas funções do SUS, seja na atenção básica, nos NASF-AB, atenção hospitalar, entre outras. Há apenas 10 anos, esse número era de cerca de 10 mil, ou seja, a presença do Nutricionista no SUS mais que dobrou.
Em 2020, quando o governo brasileiro implementou a ação “O Brasil Conta Comigo”, em virtude da emergência do combate à pandemia em todo o país, a Nutrição não fugiu ao chamado. Foram mais de 90 mil cadastros, sendo que 30% das inscrições se disponibilizaram a atuar na linha de frente.
Apesar dos desafios, a Nutricionista Carolina Miranda consegue ver de forma clara como a Nutrição pode fazer a diferença no SUS: “Com certeza, ao longo desses anos me frustrei em alguns momentos, com as dificuldades e os desafios. Mas, ao mesmo tempo, consigo parar e enxergar o tanto que essas ações ampliaram meu olhar e como nosso trabalho é importante para a sociedade. As pessoas precisam de muito mais que um cardápio ou uma dieta.”
E a Nutricionista tem colhido os frutos do seu trabalho. Um exemplo disso é o depoimento da cuidadora de idosos, Viena de Carvalho Gomes. Aos 62 anos, ela não descuida da saúde e reconhece a importância da atuação da Nutricionista no Centro de Saúde. “É fundamental contar com as orientações desse profissional em nossa vida. Desta forma, podemos melhorar a nossa alimentação e esse acompanhamento nutricional faz toda a diferença. Seria muito importante ter sempre uma Nutricionista no posto e que a população tivesse acesso”.
Viena chama carinhosamente a Nutricionista de “Carol”. Há quatro anos, a cuidadora de idosos mudou seus hábitos alimentares e ganhou mais qualidade de vida. Confira o depoimento abaixo.
Gicele Chagas também valoriza muito sua atuação na saúde pública. Para ela, os aprendizados adquiridos são únicos: “Há um enorme espaço para o(a) Nutricionista na rede pública e, como temos visto, com o crescimento da expectativa de vida da população, isso só tende a aumentar. Os brasileiros de hoje vão precisar de um cuidado nutricional atencioso e público no futuro. Com o nosso trabalho, nós, Nutricionistas, temos mostrado a cada dia o quanto podemos agregar para as políticas públicas de saúde”, enfatiza a Nutricionista do HC da UFMG.