Quem trabalha em uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) sabe que a lista de atribuições dos(as) Nutricionistas é extensa. Nos últimos tempos, empresas e instituições repensaram modelos de gestão e adotaram novos valores para a sobrevivência organizacional, como produtividade, qualidade, satisfação do cliente e custos. As mudanças não pararam por aí e fizeram com que o mercado da alimentação coletiva buscasse cada vez mais a atualização de conhecimentos técnicos e administrativos no gerenciamento dos Serviços de Alimentação e Nutrição, passando a priorizar dois elementos desafiadores: a inovação e a sustentabilidade.
Atualmente, quase 50 mil Nutricionistas atuam na área de alimentação coletiva no Brasil, segundo a pesquisa “Perfil das(os) nutricionistas no Brasil”, produzida pelo Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) e atualizada em fevereiro de 2021. Sejam em UANs de hospitais, indústrias, universidades, escolas, creches ou Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), o trabalho destes(as) profissionais vai além da promoção de uma alimentação adequada e saudável para as coletividades.
Ressignificar para inovar

É com um sorriso no rosto que a Nutricionista Vanessa Ferreira (CRN-9 3134) recebeu a equipe de reportagem do CRN-9 no hospital Santa Casa de Misericórdia, em Belo Horizonte, onde ela gerencia atualmente o Serviço de Nutrição e Dietética (SND). Brilho nos olhos e emoção nas palavras fazem parte do currículo da profissional, que coordena três Nutricionistas, sete Técnicos(as) em Nutrição e Dietética (TNDs) e mais de 130 funcionários operacionais para a produção diária de quase nove mil refeições. “Com 15 anos de atuação profissional no mesmo lugar, nos tornamos uma família. Construímos uma relação de carinho e respeito, baseada em admiração e companheirismo. Sou desafiadora e gosto de inovar e a minha equipe está comigo nos desafios que proponho”, compartilha Vanessa, ao considerar o trabalho em equipe um elemento essencial para o desenvolvimento de práticas inovadoras e sustentáveis na UAN que gerencia e produz três milhões de refeições anualmente.
Quando o assunto é inovação, a Nutricionista Maria Amélia de Almeida (CRN–9 0324) tem a mesma opinião que Vanessa e acredita que o desenvolvimento das equipes de trabalho é essencial para a melhoria contínua dos processos produtivos. Ouça o áudio abaixo:
Com mais de 35 anos de experiência na área de alimentação coletiva, Maria Amélia acompanhou várias evoluções nas UANs, como, por exemplo, a inserção dos fornos combinados nas cozinhas. Estes equipamentos possibilitam o controle das perdas de cocção dos alimentos, cozimento dos vegetais em vapor e diminuição dos desperdícios. “Em seguida, vieram os resfriadores rápidos e os ultracongeladores e, por meio deles, desenvolvemos processos como o cook chill (processo de resfriamento rápido de uma substância com a finalidade de preservação) e outros. Também é importante citar os compactadores de lixo, fritadeiras eletrônicas e fatiadores de alimentos”, acrescenta a profissional.
Conquistas que fazem a diferença
Produzir mais e cada vez melhor. Este é o mote que impulsiona as UANs, cada dia mais cercadas pelas inovações tecnológicas relacionadas aos produtos alimentícios – na elaboração prévia dos mesmos, facilitando o preparo e aumentando a validade – e também nos processos produtivos. Por exemplo, a partir dos alimentos pré-elaborados (cozinha de montagem), têm-se impactos significativos nos custos totais e, com a utilização do processo de cadeia fria, possibilita-se a dissociação temporal e espacial entre preparo e distribuição.

“Respirar inovação” e ter contato direto com tecnologia é algo comum no cotidiano da Nutricionista Marcela Ferraz (CRN–9 20351), que atua em uma UAN diferenciada, localizada em uma empresa global em tecnologia da informação, em Belo Horizonte. Além das legislações brasileiras, a profissional deve seguir um programa interno da organização voltado para a alimentação, cujas diretrizes envolvem sustentabilidade, segurança alimentar, saúde operacional e outros elementos.
Depois de trabalhar por sete anos como TND em um hospital, Marcela conhece bem os processos de uma unidade produtora de refeições e os procedimentos de qualidade e segurança alimentar. A experiência adquirida anteriormente tornou mais fácil a utilização de softwares que auxiliam nas estatísticas de resíduos e ações como a diminuição de produtos individuais e descartáveis na empresa.
A Nutricionista chama a atenção para a utilização de um programa moderno, chamado Leanpath. É uma ferramenta que funciona como um banco de dados de todos os resíduos gerados na unidade, seja de sobra limpa, suja, de pré-preparo e de preparo. “Após os resíduos serem pesados em uma balança digital, as informações ficam disponíveis virtualmente. Desta forma, conseguimos estabelecer metas para diminuir os resquícios gerados pela unidade. Depois da implementação do software em 2019, várias mudanças ocorreram, desde a elaboração até a execução e o preparo do cardápio”, explica Marcela, que trabalha nesta UAN há mais de três anos.
E por falar em inovação…. Mudar nunca foi um problema para a Nutricionista Vanessa Ferreira, citada anteriormente nesta reportagem. Disposta a quebrar paradigmas sobre a “comida de hospital”, rotulada como “sem sabor e pouco atrativa”, desde 2020, a equipe do SND do Grupo Santa Casa conta com um gastrólogo (profissional com habilitação em Gastronomia). Confira o vídeo e conheça estratégias diferenciadas desenvolvidas pela Nutricionista e a sua equipe.
O desejo de realizar um trabalho diferenciado possibilitou ao hospital onde Vanessa atua ser o único de Belo Horizonte a obter o Selo Verde Green Kitchen (Cozinha Verde), criado pela Fundação para a Pesquisa em Arquitetura e Ambiente (Fupam). Os critérios da certificação contemplam quesitos de ambientação natural, alimentação saudável e sustentabilidade.
Dentre as ações desenvolvidas pela Nutricionista e sua equipe estão: o uso de temperos naturais no preparo de alimentos, açúcar mascavo, copos de vidro e canecas de cerâmica no refeitório, uso de produtos de limpeza biodegradáveis, separação de resíduos para reciclagem, destinação adequada do óleo vegetal, treinamentos e capacitação da equipe, controle da potabilidade da água, dentre outras. Vanessa comemora a conquista do Selo pela terceira vez consecutiva. “Não é apenas uma certificação, são condutas sustentáveis e a implementação de boas práticas que fazem com que o título chegue até nós. É muito gratificante recebê-la, pois vemos que estamos desenvolvendo um bom trabalho”.

O desafio da sustentabilidade
Se por um lado temos a tecnologia que aprimorou processos produtivos nas UANs e mudanças na atuação dos(as) Nutricionistas que trabalham na área da alimentação coletiva, por outro o desenvolvimento sustentável ainda pode ser visto como um elemento desafiador para as empresas e as instituições. Segundo informações da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Brasil, quase 26 milhões de toneladas de alimentos (10% de tudo que é produzido) se tornam resíduos alimentares. Destes, 5,3 milhões de toneladas são de frutas e 5,6 milhões são hortaliças. Essas quantidades seriam suficientes para alimentar 40 milhões de pessoas!

Para a Nutricionista Laura Alonso (CRN–3 24810), que também é consultora em cadeia produtiva, gestão da qualidade e sustentabilidade, esta última palavra deve ser incorporada como valor e estratégia na organização, desdobrando-se em ações e transparência. Isso ocorre porque o consumidor quer ver uma empresa mostrando seus indicadores, suas ações e evoluções. Portanto, é preciso ampliar a visão sobre saúde (física, mental, espiritual e ambiental) e “re-pensar” as embalagens, condutas e formas de consumo. “A alimentação está muito envolvida com os 17 ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Sob esta perspectiva, o(a) Nutricionista tem um papel muito importante, mas é preciso estudar, entender, questionar e ‘re-pensar’ muitas coisas. O profissional deve se aprofundar na cadeia produtiva dos alimentos, entender como foi plantado, se quem produziu foi pago de forma justa e tem seus direitos trabalhistas garantidos, se a matéria-prima não promove destruição ambiental de comunidades tradicionais e também sobre a transparência das informações” , pondera a profissional, que faz um alerta sobre empresas e marcas que utilizam-se dos termos “sustentabilidade, eco e verde”, mas não são claras e não comprovam suas práticas, o que é chamado de greenwashing*.
*A expressão da língua inglesa greenwashing ou “banho verde” indica a injustificada apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações ou pessoas, mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas.

Muito mais que pensar sobre o meio ambiente, ser sustentável é refletir sobre aspectos econômicos, espaciais, sociais e culturais. Mesmo existindo um movimento constante dos profissionais da Nutrição para reforçar estes conceitos, a Nutricionista Maria Amélia de Almeida destaca que o processo de sustentabilidade na UAN não é rápido nem fácil, “demandando persistência, vocação educativa e visão empresarial”. Há também o desafio de conscientizar os empresários sobre a importância de investir em inovações e aprimoramento de processos. Mas a profissional acredita muito no protagonismo do Nutricionista para a execução das mudanças dentro das unidades produtoras de refeições: “em primeiro lugar, é preciso desenvolver processos dentro daquela realidade, pensando em um futuro brilhante para si e a sua equipe. Em segundo, trabalhar em parceria, de mãos dadas com os seus colaboradores. É fundamental buscar atualização e conhecimento técnico e científico na área e também calcular custos e benefícios, priorizando sempre a qualidade nutricional e a segurança alimentar”.
